segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

MINHA ESTRELA




Pedro Cunha/Serra de São Pedro/Caririaçu/CE 2008


Temos um pequeno sítio na Serra de São Pedro a 8 km de Caririaçu. Um lugar tipicamente igual aos outros da redondeza. Uma pequena casa de tijolo com quatro cômodos, banheiro e alpendre. No terreiro algumas fruteiras: caju, manga, banana, catolé, goiaba – e uma diversidade de plantas adquiridas no comércio de Juazeiro e Barbalha.

Compramos o terreno na intenção de voltar ao passado. Já tínhamos morado no sítio São Paulo, mas meu pai acabou vendendo a propriedade e a saudade daquele tempo de infância conduziu meu destino.

A convivência com a natureza e com as pessoas da comunidade me trouxe um conhecimento indispensável ao homem da terra. Aquele povo simples carrega um aprendizado não encontrado na escola propriamente dita.

Acredito na sabedoria dos profetas populares e apesar de ultimamente constatar divergências nas opiniões de alguns, surpreendo-me com a inteligência e o poder de observação desses homens, muitas vezes obrigados a decifrar os encantos da natureza e com isso aumentar naturalmente a possibilidade de sobrevivência num espaço cheio de dificuldades, onde a relação homem e ambiente precisa de maior entendimento.

Outro dia Zé Galdino - um velho que mora lá perto, nas bandas da Extrema -, me falou de previsão do tempo. Disse que era um ano propício para se plantar arroz, porque um ano par é sempre bom, e além do mais todas as experiências eram favoráveis, inclusive os caçadores tinham encontrado muita caça prenha – o trágico demonstrando um bom sinal. Naquele ano vivemos literalmente um dilúvio e nossa cidade ficou totalmente ilhada por alguns dias.

Com o conselho do amigo resolvemos fazer o teste e plantamos uma pequena roça de arroz, milho e feijão, onde conseguimos colher uma quantidade satisfatória. As enchentes aconteceram exatamente no período em que minha filha estava para nascer, tinhamos que levar minha esposa ao Juazeiro, era uma gravidez complicada e a ponte do Rio Carás que dava acesso aos dois municípios acabara de cair, então tivemos que enfrentar uma passagem arriscada pela estrada dos Carneiros aproveitando a diminuição das águas no final da tarde. Naquele momento, passando na estrada velha do sítio Carás lembrei-me dos relatos do Padre Antonio Vieira – o protetor do jegue -, que escreveu sobre meu bisavô materno José Gonçalves dos Carás, dizendo que na época em que o padre estudava no Crato e tinha que atravessar o rio cheio, o velho Gonçalves dava total apoio na travessia e depois em sua casa. Tornaram-se compadres e grandes amigos.

No mesmo dia Joana Maria nasceu e teve que ficar alguns dias numa incubadora. Fiquei fazendo o percurso Caririaçu Juazeiro todos os dias para realizar minhas visitas e no trecho da ponte, lembro-me bem, eu ficava rindo, ironizando a situação, tendo que passar numa balsa feita de uma espécie de tambor de 200 litros, com quatro de cada lado, algumas tabuas na parte superior e uma corda que era puxada por meia dúzia de homens contratados pela empresa de ônibus que fazia a linha.

Vejamos um trecho da notícia das chuvas divulgada pelo Jornal O Povo – Edição de 17 de Fevereiro de 2004:
”Duzentos e oito milímetros de chuvas entre domingo e ontem deixaram o município de Caririaçu isolado, e sem abastecimento d'água. As precipitações registradas pela Funceme, no Cariri, no período, também voltaram a causar estragos em cidades que já tinham sofrido danos com as chuvas de janeiro último. Em 11 localidades da região, as chuvas foram superiores a 100 milímetros
A região do Cariri, que concentrou as maiores chuvas registradas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), entre a manhã do último domingo e a de ontem, voltou a sofrer prejuízos com as fortes precipitações. Em 11 postos de monitoramento dos índices pluviométricos mantidos pela Funceme na região do Cariri, foram registradas chuvas superiores a 100 milímetros no período. A maior delas, de 208 milímetros, deixou isolado Caririaçu, a 592 quilômetros de Fortaleza. A cidade está sem abastecimento d'água, uma vez que a área de captação do líquido, ficou inundada.
Conforme diz Zuli Morais, filha da prefeita Lúcia Vanda de Morais, todas as estradas estão interditadas, e há risco de arrombamento de três açudes de grande porte. Barreiras caíram na rodovia estadual que liga Caririaçu a Juazeiro do Norte, 563 quilômetros distante da Capital, outro município que também está em situação crítica devido a uma chuva de 166 milímetros nos últimos dois dias. Com o agravamento dos danos, Juazeiro registrou quedas de pontes e alagamentos de áreas como a do Horto, Favela Boca das Cobras, Alta Tensão e Lagoa Seca. Ontem foi necessária até a ajuda do helicóptero do Ciopaer (Centro Integrado de Operações Aéreas) para a retirada de moradores das regiões afetadas”.


Felizmente, no dia 07 de março fui informado de que no dia seguinte minhas mulheres poderiam voltar para casa. Foi uma festa, primeiramente tivemos que enfrentar de carro a estrada do Taquari. O tempo encharcado, muita lama. Nessa altura a maioria dos agricultores que viviam nas terras baixas dava tudo por perdido. A água tinha devassado os baixios. O caririense costuma plantar nas primeiras chuvas, não quer perder tempo, se for preciso planta tudo novamente, mas as chuvas não paravam. O sertanejo, apesar de tudo vivia sorridente, preferia sofrer com a água ao invés da seca. A situação dos que viviam na serra, como era o nosso caso, era diferente, pois a chuva mesmo em excesso não prejudicava tanto, ficávamos apenas pensando na situação dos que moravam nas comunidades baixas, principalmente os familiares do São Lourenço.

Ao chegarmos a Caririaçu passamos primeiro na casa de minha mãe na Rua Coronel Botelho. Meu outro filho Felipe tinha 14 anos e morava na cidade, onde estudava. Ficou ali ao lado da cama, admirando a irmã. A casa logo ficou cheia do pessoal da vizinhança: as meninas, as moças, as velhas, cada qual com sua opinião.

Ao cair da tarde seguimos para o sítio. Eu queria mostrar para ela a nossa casinha, nossa vida simples, queria que ela entendesse tudo aquilo que estava acontecendo entre nós. A casa estava diferente - comentou Lucinha. Tínhamos organizado tudo. Reformamos a casa com a ajuda de Colega - um trabalhador da Ribeira do São Lourenço filho de Chiquinho do finado Pedro Velho que morava com a gente. Consertamos as cercas perto da casa, limpamos o terreiro, empilhamos a lenha e foram feitas novas casas para os bichos. Galinha, bode, porco, pavão, ovelha, cachorro, todos acabaram ganhando com as boas vindas. Entramos e o quarto já estava ajeitado, o berço, uma prateleira branca com alguns objetos para recém-nascido, nossa cama ao lado e um pequeno guarda-roupas. No outro cômodo, que chamávamos de sala de janta ficava a televisão, uma mesa redonda com quatro cadeiras, geladeira, fogão a gás, uma cadeira de balanço e uma preguiçosa. O alpendre ficava aos fundos dando cobertura a um fogão de carvão e uma pia de lavar pratos. Visinho ao quarto ficava um banheiro. Ao entrar na porta da frente dois pequenos cômodos, um era a sala do Santo, onde ficava também além do computador, uma velha cadeira de balanço centenária presente de minha tia Bárbara de saudosa memória que falecera há poucos meses. No cômodo visinho ficavam alguns livros e revistas e um baú antigo. Aquele repartimento servia também de dormitório do Colega. Na parede alguns quadros, dois destes, um de meu pai e outro de Felipe, - pintados por mim. Fotografias do meu pai e de Luiz Gonzaga tinham muitas, inclusive um quadro do Rei do Baião em pedra de Santana, presente de minha amiga Lúcia Vanda.

A notícia andou depressa e conforme o costume sertanejo os amigos começaram a chegar. Primeiro chegou comadre Terezinha, depois veio Dona Maria e Seu Nezinho, Damiana, o pessoal do Sítio Sales, da Extrema, Dona Rosa e Seu Doca lá da Cangaia para completar a animação. O assunto começava em mulher “buchuda”, passava pela política, falavam em recém-nascidos, no dia da mulher, mais só terminava em água. O inverno só ali pertinho tinha carregado à parede da lagoa de São Paulo e o açude de Zé Adauto. Essas águas tinham caído todas dentro do açude do Modebrão, que ficava mais a baixo. E o ruim da história: ele estava quase indo embora. Se acontecesse essa tragédia, o que seria dos familiares do São Lourenço.

Depois o povo despediu-se e aos poucos um silêncio frio predominou no terreiro e dentro da casa o inverso. Na madrugada acordei para conferir, era difícil acreditar, minha filha estava ali pertinho, naquela paz. Na calçada observei o céu e agradeci. Trovões e relâmpagos cortavam o universo mostrando que do lado de fora não tinha sequer uma estrela.

2 comentários:

  1. PARABENS PEDIM MARCIO CUNHA TESTE

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  2. Olá Márcio Cunha, que prazer rapaz. Isso significa que a postagem deu certo. Fico muito grato. Nos encontramos na faculdade. Um abraço.

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