quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O DIA DO NOIVADO DE PEDRO FERREIRA

Durante os levantamentos que fizemos conversando com pessoas de nossa família nos deparamos com histórias que chamam à atenção de todos. Tenho saudade das conversas que tive com D. Antonia Tavares. Ela tinha uma capacidade enorme de memorização de datas e fatos, e isso, aliada ao interesse dela pelo assunto, naturalmente, a transformou numa peça fundamental para elucidação genealógica de algumas famílias estabelecidas no município de Caririaçu. Infelizmente, embora tenhamos reconstituído através dela boa parte do nosso passado, com sua morte muita coisa deixamos de conhecer, em virtude de não termos melhor aproveitado sua lucidez constante.
Dona Toinha contou-nos certa vez que ouvira falar dos mais velhos que seu bisavô Pedro Ferreira era casado com uma prima de nome Sinhara. No dia do noivado ele viajou a cavalo algumas legras até o sítio Farias em Barbalha para conhecer sua futura esposa, que poderia ser qualquer uma das primas solteiras, dependendo basicamente de sua escolha.
Logo nas primeiras conversas com o sogro, Pedro pediu que arranjassem fogo para ele acender um cigarro. Prontamente foi solicitado que alguém atendesse o pedido do jovem visitante. Em pouco tempo adentrou a porta uma linda moça de cabeça baixa e tímida. Na mão trazia um tição que foi deixado às pressas na sala. Com o passar das horas Pedro foi convidado a conhecer as filhas do casal, mas ele retrucou dizendo que tinha se agradado da moça do fogo.

Nota: Na conversa que tivemos com D. Toinha ela comentou sobre as dificuldades que as pessoas tinham na condução das atividades diárias, referindo-se ao fato de Pedro Ferreira apesar de ser um homem abastado, não conduzia um utensílio para acender seu cigarro.
Este fato deve ter acontecido nas primeiras décadas do Século XIX.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

PATRIMÔNIO SERTANEJO

De Marcos Gonçalo só tenho lembrança boa. Era um velho manso e muito educado. Tinha o costume diário de sentar ao lado de sua casa velha de tijolo e taipa comum no sertão numa cadeira feita de "piquiá" e couro de gado. Atentamente observava a mata à frente com o seu pé de aroeira demarcando as terras na cabeça da Serra do Pilão. Um rádio preto tocando um som de violeiro ficava em cima da mesa de cedro antiga ao lado da reiúna na parede dividindo o espaço com o passado fotográfico da família. Uma rede embolada no armador de pau fazia companhia a outros acessórios da luta diária com o gado e a roça, onde tudo e todos eram partes do mobiliário sertanejo. O tempo era tão quente que fervia o chão de São Lourenço e o velho ansioso aguardava notícias do seu povo. O sol ia embora e a sombra da "cajarana" tomava conta do terreiro, acendia um cigarro e contava causos do seu tempo: as brigas, amizades, as viagens que fazia a cavalo tirando retrato nas festas de casamento, do Padroeiro São Sebastião de Dom Quintino do Crato, Várzea Alegre, Iguatu, Jaguaribe e tantos outros lugares deste Cariri de Padre Cícero. Falava da vez que amarrou um valentão que acabara de matar um homem na porta da igreja da Valença enquanto o padre de São Pedro celebrava a missa de São Vicente Ferrer.
Meu avô era assim, igual a tantos outros, um patrimônio sertanejo de ascendência pobre com raízes nobres. Estudou pouco e conseguiu aprender, era considerado por toda aquela gente como sendo um homem inteligente e com grande experiência de vida. Poucos sabiam ler ou escrever e as cartas que chegavam eram traduzidas por ele com muita emoção e total envolvimento.

domingo, 20 de setembro de 2009

VEREADOR MARCOS GONÇALO SOBRINHO

,
Filho de José Gonçalo Sobrinho e Raquel C. de Jesus, nasceu no dia 7 de agosto de 1912 no sítio São Lourenço município de São Pedro do Cariry
Foi eleito vereador quatro vezes, onde se destacou defendendo expressivamente os interesses do município de Caririaçu.
Em pesquisa procedida no arquivo do Poder Legislativo, constatamos no Livro de Atas o dia da posse de Marcos Gonçalo em seu primeiros mandato como vereador. Em seguida transcreveremos o ato, em seu inteiro teor:

“Ata de instalação e de posse dos Vereadores que constituem a Câmara Municipal de Caririassu.
Ao primeiro dia do mês de janeiro do ano de mil novecentos e quarenta e oito, às treze horas, previamente designada pelo Sr. Juiz Preparador Eleitoral, no salão Paroquial, desta cidade de Caririaçu, da Comarca de Juazeiro do Norte, Estado do Ceará, onde presentes se achavam, o cidadão José Vitorino da Silva, Juiz Preparador e grande assistência popular. O Sr. Juiz Preparador, declarou aberta a Sessão, convidando a unir Francisco Gentil das Chagas, para secretariar. Em seguida fez a chamada dos Vereadores legalmente diplomados: Alvaro Pereira da Cunha, José Batista Vieira, Antonio Ferreira Bilar, Sebastião Alves Feiotsa, Vicente Firmino Vieira, Francisco Barros Sobrinho, Marcos Gonçalo Sobrinho, Raimundo de Lima Morais e Valdimiro Correia de Araujo, aos quais foram convidados pelo Juiz para ladear a mesa. Verificando-se a presença de todos os Vereadores eleitos, o Sr. Juiz Preparador Eleitoral procedeu na forma da Lei as eleições para Presidente da Câmara e respectivo Secretário, sendo eleito José Batista Vieira e Sebastião Alves Feitosa respectivamente presidente e Secretário, ao final do resultado houve forte salva de palmas. O resultado dessas eleições foi a seguinte: Para Presidente da Câmara o Vereador José Batista Vieira obteve sis (6) votos: o Vereador Vicente Firmino Vieira, dois (2) votos e o Sr. Vereador Raimundo de Lima Morais, um (l) voto. Para Secretário da Câmara, foi eleito por unanimidade o Vereador Sebastião Alves Feitosa. Ato continuo, o Sr. Juiz Preparador depois de parabenizar o povo de Caririassu, proclamou-os eleitos e convidou o Sr. Presidente eleito a assumir a presidência da Sessão. Em seguida sob a presidência do Sr. José Batista Vieira, foi por ele facultada a palavra, usando da mesma sob salva de palmas o cidadão Raul Milton, que em ligeiras palavras felicitou a Câmara recém empossada incitando os Vereadores ao cumprimento de seus deveres. Após usar da palavra o Vereador e Secretário da Câmara, Sebastião Alves Feitosa, que congratulou-se com o povo de Carriassu, em seu próprio nome, em nome do Partido Social Democrático pela assistência do pleito, prometendo corresponder a confiança do eleitorado, esperando contar com igual atitude de seus colegas da União Democrática Nacional. E como mais não houvesse quem usasse da palavra e nada mais havendo a tratar, mandou o Presidente que fosse lavrada a presente que vai devidamente assinada. Eu, Francisco Gentil das Chagas, servindo de Secretário a escrevi e assino.”
(Livro de Atas, aberto em 29 de Junho de 1936, pelo Presidente da Câmara Domingos de Oliveira Borges).

sábado, 12 de setembro de 2009

O MAJOR NÃO MENTIA

Certa vez funcionários de um banco de Juazeiro procuraram o Major Simplício Gonçalo em sua residência no sítio Cacimbras para que ele pudesse dar informações de algumas pessoas da região que teriam feito cadastro na agência com o intuito de adquirir empréstimo rural. Na relação constava o nome de uma pessoa que Simplício afirmou ser um indivíduo que não gostava da cumprir seus compromissos. Não pagava as contas, não tinha palavra, mentia e acima de tudo, se fosse para levar vantagem enganava a própria sombra. Falou tão mal que o funcionário do banco quis saber se o pretenso cliente morava ali perto e o velho respondeu: É aquele camarada que estava aqui escutando nossa conversa... quando comecei a falar ele se retirou.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

BARTHOLOMEU FERREIRA DA SILVA X CORONEL JOSÉ BELÉM DE FIGUEIREDO: O COMBATE QUE NÃO SE TRAVOU


ILUSTRAÇÃO: Bartholomeu/Pedro Cunha



Bartolomeu Ferreira nasceu em 1846 no Sítio São Lourenço, município do Crato. Era filho de Pedro Ferreira e D. Sinhara ou Dindinha, como também era conhecida. Casou-se com Maria Madalena e tiveram José, Pedro, Maria do Carmo, Luca, Maria e Joaquinha. Conseguiu interferir na demarcação ilegal de terras feita pelo Coronel José Belém de Figueiredo, audacioso chefe político do Crato. O destemido coronel ao chegar à divisa das terras que hoje pertencem a Raimundo Araújo da Costa, conhecido por Mundinho de Odilon, seguido por uma dezena de jagunços fortemente armados, foi informado da presença de Bartholomeu, que estava acompanhado de Joaquim Barbosa de Milagres – conterrâneo de Belém, e que também era conhecido pelo seu comportamento esquentado. Felizmente o combate não se travou. O coronel mudou o rumo e graças a este episódio o São Lourenço continuou nas mãos dos seus verdadeiros donos, diferentemente de outras localidades circunvizinhas onde os pequenos proprietários não tiveram a mesma sorte, foram obrigados a vender suas glebas de terra por preços bem inferiores ou então seriam expulsos sem nenhum direito. Na conversa com Bartolomeu, Belém disse que já o conhecia, já ouvira falar de sua coragem, inclusive da vez que ele teria trazido uma mulher morta na garupa do cavalo, do Bom Jesus ao São Lourenço, amarrada com um lençol e o queixo batendo nas costas.


Nota: Conforme depoimentos orais, a mulher transportada por Berto chamava-se Berbela. Era ela quem fazia partos na região do São Lourenço e Bom Jesus. Outra informação que precisa ser checada é que ela pertencia a um grupo de escravos adquiridos por Pedro Ferreira e posteriormente beneficiados com a liberdade.







sábado, 5 de setembro de 2009

PADRE CÍCERO: O QUARTO VIGÁRIO DE SÃO PEDRO


A paróquia de São Pedro foi criada em 9 de novembro de 1870 pela Lei Provincial 1362. Só mais tarde, no dia 18 de abril do ano seguinte saiu a provisão canônica assinada por D. Luiz Antonio dos Santos. O Padre Manoel Carlos da Silva Peixoto foi nomeado o primeiro vigário e após dois anos junto a freguesia foi substituído pelo padre Manoel Rodrigues de Lima que ficou durante dez anos. O terceiro vigário – João Carlos Augusto natural de Lavras da Mangabeira foi nomeado em janeiro de 1884, ficando à frente da paróquia até o dia 21 de setembro de 1888, mesma data em que foi nomeado o padre Cícero Romão Batista que tomou posse no dia 29 de janeiro de 1889 e exerceu as funções durante quatro anos aproximadamente. Nos domingos e dias santos celebrava missa pela manhã na Capela de N.S. das Dores em Juazeiro e seguia para São Pedro onde celebrava e passava o resto do dia fazendo batizados, casamentos e confessando fieis, só regressando à tardinha.
Cumpre não esquecer que o Padre Cícero, sempre foi, intimamente, um monarquista. Quando se deu a proclamação do regime republicano no Brasil, ele era vigário da Paróquia de São Pedro do Cariri, ficando indignado com este acontecimento. A vitória republicana, segundo o pesquisador Aldenor Benevides – proporcionou ao padre, uma tal revolta, a ponto de, pouco tempo depois, um republicano de nome Dr. Francisco Marçal da Silveira Garcia, ex-juiz do Crato, indo a São Pedro do Cariri acompanhado de alguns militares, numa campanha contra o imperador, ter dado lugar a que o Padre Cícero, por ocasião da missa dominical fizesse um sermão contra o novo regime. Naquela prática pediu que ninguém acompanhasse o Dr. Garcia e nem tampouco temesse os seus soldados porque em São Pedro do Cariri quem mandava era ele, Padre Cícero.
Dois meses após ter tomado posse como vigário da cidade serrana no dia 1º de março um fato extraordinário transformou a rotina do Juazeiro, onde o reverendo morava. Naquela data, ao participar de uma comunhão reparadora, oficiada por ele, uma bata muito piedosa, chamada Maria de Araújo, ao receber a hóstia consagrada não pôde degluti-la porque a mesma se transformara em sangue diante dos olhos de todos. A notícia correu e, em pouco tempo, legiões de pessoas vinham de longe para assistir de perto ao fenômeno. Apesar de ter sido testemunhado por muitas pessoas dignas, mais de uma dezena de padres da região e ter sido atestado por dois médicos e um farmacêutico como sendo um fato sobrenatural, a Igreja nunca considerou o sangramento da hóstia como milagre. Mais tarde, os chamados Milagres do Juazeiro passaram a ser estudados por diversos cientistas sociais no Brasil e no Exterior e Juazeiro do Norte, por ser uma cidade mística, tem sido objeto de vários documentários, o que faz muito conhecida e famosa. O fato chamou a atenção do povo sofrido do Nordeste. Os romeiros invadiram Juazeiro, sob a proteção de Nossa Senhora das Dores e da fama da santidade do Padre. Algumas famílias vieram para ficar e muitas delas foram enviadas pelo sacerdote para a Serra de São Pedro e outras terras de boa fertilidade da região. Mesmo com as pressões de Roma, Padre Cícero continuou celebrando em Juazeiro ainda ficou como vigário de São Pedro do Cariri até o dia 6 de agosto de 1892. Durante toda sua vida ele tentou revogar a pena aplicada pela Igreja Católica, todavia, foi em vão. O resultado de tudo isso foi que jamais se provou que a transformação da hóstia em sangue era uma farsa.
O AMIGO
Temos em mãos o conteúdo de uma carta enviada pelo Padre Cícero a Marcos Pereira. Este documento foi reproduzido pela senhora Adalgisa Borges, e serve como prova inconteste do laço de amizade que existia entre Marcos e o Patriarca do Nordeste:

“Horto, 28 de Abril de 1906

Abençoado e bom amigo Marcos

A paz do nosso Senhor Jesus Cristo o guarde

Como sempre pretendia ir hoje mais tendo amanhecido uma constipação ontem que pôs-me rouco, tomei umas pílulas purgativas que somente amanhã a tarde querendo Deus estarei aí, não posso ir celebrar em São José.
Não repare o ter enganado. Velho não tem carreira.

Disponha sempre do seu amigo velho

Pe. Cícero Romão Batista.”


A FÉ
O livro Padre Cícero e Juazeiro do escritor Aldenor Benevides traz o registro de um acontecimento que demonstra a importância do Patriarca do Nordeste no contexto familiar, sobretudo pela força espiritual transmitida pelo sacerdote:
“Contou-nos João Evangelista de Aquino, mais conhecido por Listrinho, agricultor em Caririaçu, 80 anos, quando conversávamos sobre o Padre Cícero Romão Batista e Juazeiro do Norte. Dois dos seus cunhados, quando meninos, no Sítio Olho D’água, no município de Caririaçu, entre os anos de 1910 e 1920, não lembra-se bem, foram mordidos por um cão raivoso. A mãe das crianças, conhecida por D. Cota, dirigiu-se às pressas até Juazeiro do Norte a fim de pedir ao Padre Cícero que salvasse os filhos, uma vez que São Pedro do Cariri, naquele tempo, não tinha sequer, uma farmácia. O sacerdote recomendou-lhe adquirisse massa de milho e com a mesma fizesse bolinhos levando-os em seguida para os mesmos serem por ele abençoados. Quando voltou, D. Cota ficou emocionada com a linda prece que o Padre Cícero pronunciou benzendo os bolinhos que foram todos eles consumidos pelas crianças que nada sentiram da ameaçadora doença. A criança do sexo feminino viveu muitos anos e deixou vários netos. A outra, do sexo masculino, ainda existe e reside no município de Caririaçu.”

Nota: As crianças citadas no livro eram Alexandrina e Augusto.


UMA GRANDE SECA
Conforme Augusto Pereira, certa vez o seu avô Marcos, saiu da Carnaúba para o Juazeiro, a fim de falar com o Padre Cícero. Queria lhe pedir uma benção e também um conselho, pois, não suportava mais a terrível seca que sufocava o Cariri. Seu açude não tinha mais água, e o gado já não tinha o que beber. O padre pediu para que ele tivesse paciência e deixasse para retornar no dia seguinte. Quando chegou o outro dia, o sacerdote novamente insistiu para que ele ficasse mais um. Mesmo sem entender, Marcos aceitou o conselho. Quando retornou foi pego de surpresa, tinha chovido muito na Carnaúba, Bom Jesus e proximidades e o seu açude estava sangrando.

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