terça-feira, 22 de setembro de 2009

PATRIMÔNIO SERTANEJO

De Marcos Gonçalo só tenho lembrança boa. Era um velho manso e muito educado. Tinha o costume diário de sentar ao lado de sua casa velha de tijolo e taipa comum no sertão numa cadeira feita de "piquiá" e couro de gado. Atentamente observava a mata à frente com o seu pé de aroeira demarcando as terras na cabeça da Serra do Pilão. Um rádio preto tocando um som de violeiro ficava em cima da mesa de cedro antiga ao lado da reiúna na parede dividindo o espaço com o passado fotográfico da família. Uma rede embolada no armador de pau fazia companhia a outros acessórios da luta diária com o gado e a roça, onde tudo e todos eram partes do mobiliário sertanejo. O tempo era tão quente que fervia o chão de São Lourenço e o velho ansioso aguardava notícias do seu povo. O sol ia embora e a sombra da "cajarana" tomava conta do terreiro, acendia um cigarro e contava causos do seu tempo: as brigas, amizades, as viagens que fazia a cavalo tirando retrato nas festas de casamento, do Padroeiro São Sebastião de Dom Quintino do Crato, Várzea Alegre, Iguatu, Jaguaribe e tantos outros lugares deste Cariri de Padre Cícero. Falava da vez que amarrou um valentão que acabara de matar um homem na porta da igreja da Valença enquanto o padre de São Pedro celebrava a missa de São Vicente Ferrer.
Meu avô era assim, igual a tantos outros, um patrimônio sertanejo de ascendência pobre com raízes nobres. Estudou pouco e conseguiu aprender, era considerado por toda aquela gente como sendo um homem inteligente e com grande experiência de vida. Poucos sabiam ler ou escrever e as cartas que chegavam eram traduzidas por ele com muita emoção e total envolvimento.

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