quarta-feira, 5 de maio de 2010

PEDIDO DE SOCORRO

Meu avô Marcos Gonçalo, contou-me que certo dia estava ele sentado ao lado de sua casa no São Lourenço, no silêncio da tarde sertaneja, com o sol ainda em brasa, quando notou um som estranho - parecido com o ruído de uma buzina de carro - vindo do alto da Serra do Pilão. A zoada repetitiva trazia supostamente um pedido aflito de socorro, como se um veículo estivesse no prego ou coisa pior.

O tempo foi passando e ele resolveu procurar alguém – talvez uma pessoa mais jovem – que pudesse subir e verificar o que estava acontecendo, já que o lugar de onde vinha o sinal não tinha moradores.

Vasculhou as casas e os terreiros mais próximos e não encontrou ninguém. O sábado era assim, os poucos carros que existiam na ribeira saiam de manhã levando o povo todo para feira de São Pedro, retornando só a tardinha com o sol frio.

Foi preciso tomar outra atitude, com seus quase 80 anos, tinha que fazer aquele percurso desgastante. Botou um chapéu, vestiu a camisa, e saiu com passadas exaustivas no sol escaldante da caatinga, para chegar - quase uma hora depois - debaixo de um pé de aroeira centenário que ficava exatamente na cabeça da ladeira e verificar que o som era produzido por um menino soprando um chifre. Não quis conversa, antes de retornar, tomou o objeto e o sacudiu numa grota funda e espinhenta do Riacho do Mel. O menino ficou em silêncio, assustado, sem entender o que acontecia.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Eleições de 76

Diferentemente do pai – que se elegera quatro vezes seguidas para vereador apoiando o grupo liderado por Carlos Morais -, Gregório Alves da Cunha candidata-se para o Legislativo Municipal pelo partido oposicionista. Sua trajetória política é formada por sucessivas vitórias. Na Câmara, defende expressivamente os interesses das classes mais pobres, especialmente dos moradores das comunidades do São Lourenço e circunvizinhanças, embora seu partido seguidamente não consiga êxito nas eleições para prefeito e vice.

Apesar dos incitamentos da política caririaçuense do início dos anos 70, Gregório preserva os velhos laços de amizade dentro da base partidária liderada por Raimundo Bezerra Lima, conhecido por Mundeza, ao qual seu pai Marcos Gonçalo Sobrinho era correligionário. Seu compadre e amigo Belizário Clementino Ferreira, prefeito da cidade, não consegue mudar o pensamento oposicionista do jovem vereador, que apesar de ter herdado formação política do pai, continua com o desejo insistente de mudança.

Para o mandato seguinte, que se estende até o ano de 1976, centenário do município, é eleito Mundeza para prefeito, declarado não-simpatizante da política implantada pelo deputado juazeirense Adauto Bezerra de Menezes, que posteriormente seria escolhido Governador do Ceará pelo general Geisel e referendado pelos votos da Arena - partido de sustentação do regime militar vigente - em eleições indiretas no ano de 1974.

O coronel Adauto começou sua carreira política em sua cidade natal Juazeiro do Norte a terra do Padre Cícero, integrando uma das mais importantes famílias da região do Cariri, situação que sem duvida, contribuiu para que ele se elegesse deputado estadual em três pleitos: 1958, l962 e 1966. Nas eleições seguintes alçou vôos mais altos, sendo eleito para a Câmara Federal e em seguida, como já falamos, foi escolhido Governador.

Não parou por aí sua carreira política, visto que, mais uma vez, foi eleito deputado federal em 1978 e vice-governador em 1982, quando voltaram a acontecer eleições diretas para os governos estaduais, nas quais foi eleito Gonzaga Mota com apoio dos coronéis Virgílio Távora, César Cals e Adauto, que assinaram, em março de 1982, o Acordo dos Coronéis ou o Acordo de Brasília.

Como conseqüência da bem articulada estrutura política montada pelos irmãos Bezerra, a vitória da Arena, em 1976, é esmagadora, elegendo 95% dos prefeitos do interior, enquanto sobram minguados 5% para o MDB. O governador Adauto Bezerra cria a Secretaria para Assuntos Municipais, a qual é entregue ao seu irmão Humberto e torna-se um importante meio de controle sobre as prefeituras dos municípios do interior. Caririaçu sai do domínio dos Morais, com a derrota de José Morais de Carvalho e a vitória da chapa de oposição encabeçada pelo construtor Raimundo Rodrigues Sobrinho, tendo como vice Clemente de Araújo Borges.

Vereadores eleitos em 1976: Moises Fernandes de Lima; José Benedito da Silva; Francisco Barros Marinho; Generino Trajano Feitosa; Gregório Alves da Cunha; José Agostinho de Freitas; Pedro Campos da Silva; José Roque Neto e Pedro Gomes de Lima;

sexta-feira, 12 de março de 2010

SOBRARAM APENAS OS CHOCALHOS

Uma grande seca dizimou todo o gado de Marcos Pereira. Ficaram apenas algumas pencas de chocalhos amontoados. Um compadre aconselhou o velho a vender os apetrechos, pois era muito difícil recuperar àquele rebanho.

Marcos ficou muito triste, passando a viver cabisbaixo, olhando os currais vazios e as cercas em total abandono. Uma desolação de fim de vida, que dava a paisagem sertaneja uma melancolia de cemitério abandonado. Pensava no trabalho que teve durante anos e anos trabalhando sob o sol escaldante da Carnaúba e do Bom Jesus, com a ajuda dos filhos, para juntar aquele gado e de uma só vez a estiagem levara tudo.

Como toda região do semi-árido nordestino, o sul do Ceará é sujeito a períodos de estiagem. Quando faltam as chuvas, as correntes de água param de correr e a seca marca a sua presença severa. Com a volta do precioso líquido, a paisagem muda muito rapidamente. As árvores recuperam as folhas, o solo fica forrado de pequenas plantas, a fauna recupera suas forças, os rios e riachos voltam a correr, as lagoas e açudes transbordam e a temperatura baixa.

Em um encontro que teve com o Padre Cícero na Serra de São Pedro, o chefe do clã Pereira revelou ao patriarca a situação de desalento que as constantes secas provocavam na região da Carnaúba, onde a principal atividade era a criação. Mesmo com o retorno das chuvas os donos de terras não dispunham de recursos suficientes para se recuperarem dos prejuízos provocados pelas secas dos últimos anos do Século. Falou também da opinião do compadre, mandando vender a chocalhada.

O reverendo pediu paciência e acrescentou que iria mandar algumas cabeças de gado para ele criar em suas terras e o trabalho seria pago com uma parte da produção. O rebanho passou muito tempo em sua propriedade. Quando o pasto ficava escasso, os animais eram levados para uma propriedade do Padre Cícero na Serra do Araripe. Passaram-se os anos e Marcos Pereira orgulhava-se de contar essa história. Dizia aos netos que os chocalhos tornaram-se poucos.



































segunda-feira, 1 de março de 2010

A morte de Elias Paes


A roça e a criação de gado tornaram-se as principais atividades econômicas dos moradores da Ribeira do São Lourenço desde o início do povoamento. Algumas fruteiras como a banana representaram grande fonte de geração de renda familiar, onde a cana-de-açúcar destinada aos engenhos de rapadura também muito contribuiu para o desenvolvimento da comunidade até meados do século passado.

Tenho muita lembrança do sítio do meu avô. Eu ainda menino recebia com alegria o convite do meu pai para ir até o São Lourenço nos finais de semana. Ao chegar na sombra da cajarana da casa antiga, com o geep ainda parando pulávamos do veículo e saímos correndo em busca do baixio. Muitas vezes papai dava um grito fazendo com que a gente voltasse para dar a bênção ao avô e aos tios que ali se postavam a espera do encontro. Nosso avô respondia sempre o pedido de proteção com um meigo Deus te faça feliz.

Descíamos a ladeira numa velocidade muito grande. Queríamos pular no rio porque o tempo era curto. Depois do banho, seguíamos para o sítio do outro lado do curso da água onde éramos recebidos por uma diversidade de fruteiras. Não demorava e vô descia e aos poucos observava nosso comportamento. No começo alguns menos adaptados voltavam-se e de longe esperava a reação do velho, outros já acostumados com sua presença continuavam com as brincadeiras.

Não demorava e nosso avô vendo que estava tudo na paz, voltava para casa, sempre deixando alguma recomendação: tenham muito cuidado ao subir nas árvores; cuidado com esse pula-pula dentro do rio que é perigoso. Mais nunca reclamava das frutas que consumíamos, a não ser se estivéssemos jogando pedra para derruba-las.

Quando retornávamos tia Necy já estava com o almoço pronto. Depois, com o sol escaldante ficávamos nas sombras das árvores arrodeando os mais velhos, escutando as anedotas. Em uma dessas meu pai relembrava a história da falsa notícia da morte de Elias Paes que ao viajar à Bahia passou muito tempo sem mandar notícias e os parentes foram informados de que o mesmo teria morrido enquanto trabalhava numa fazenda lá nas bandas do Rio São Francisco. O seu irmão de nome Miguel ao chegar em casa encontrou a mãe muito aflita e aos prantos pedindo ajuda a Deus e a Todos os Santos porque ela não saberia resistir a tão triste notícia. Miguel vendo aquela situação ficou surpreso com o estado de revolta que sua mãe se encontrava, pois ela tinha passado por dificuldades piores e não tinha ficado daquele jeito, então perguntou: Mãe, eu não sabia que a senhora gostava tanto de Elias? E ela: É por causa da minha rede novinha meu filho que ele levou, acho que deram sumiço a ela!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A PARTILHA

João Marcos era rapaz velho e durante algum tempo, já com a idade bastante avançada ficou muito doente. Não falava, não dava sinais de melhora e os familiares juntamente com os moradores das localidades próximas do sítio Carnaúba, todos os dias prestavam-lhes solidariedade fazendo sentinela em sua residência.

Numa determinada noite, em conversa reservada próximo a janela do quarto onde o doente se encontrava, alguns parentes mais próximos - não imaginando que o enfermo pudesse escutar - traçavam a repartição do patrimônio do doente. No diálogo, os herdeiros antecipavam o processo de partilha dos bens apontando inclusive os riachos que compreenderiam a linha divisória das terras.

No dia seguinte, o velho João, quase morto, teve uma melhora e pediu que um portador fosse até o município de Farias Brito atrás do tabelião do cartório e com a chegada deste não hesitou e pediu que o homem preparasse um documento dando ensejo de doar todos os seus bens para a Igreja, evitando assim, que os pretensos herdeiros praticassem a propositada partilha.

Nota: João Pereira da Cunha conhecido por João Marcos era filho do casal Marcos Pereira da Cunha e Dona Maria Ferreira.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A VACA BOA



O velho Simplício Gonçalo não mentia. Posso afirmar com segurança, pois a história não me deixa excluir essa característica daquele homem. Certa vez o Major vendeu uma vaca a um primo. No Sábado resolveu ir à São Pedro fazer a feira. Quando passava numa determinada rua da cidade, foi surpreendido por uma pessoa, que de longe o chamava para confirmar uma história. Era o primo tentando vender o animal a outra pessoa. Pediu para que o suposto comprador perguntasse ao major se a vaca realmente não era boa. Antes que o homem fizesse qualquer indagação, Simplício respondeu dizendo que vendeu a vaca com as condições de que era muito ruim, pulava cerca, não dava leite e para completar era muito valente.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

MINHA ESTRELA




Pedro Cunha/Serra de São Pedro/Caririaçu/CE 2008


Temos um pequeno sítio na Serra de São Pedro a 8 km de Caririaçu. Um lugar tipicamente igual aos outros da redondeza. Uma pequena casa de tijolo com quatro cômodos, banheiro e alpendre. No terreiro algumas fruteiras: caju, manga, banana, catolé, goiaba – e uma diversidade de plantas adquiridas no comércio de Juazeiro e Barbalha.

Compramos o terreno na intenção de voltar ao passado. Já tínhamos morado no sítio São Paulo, mas meu pai acabou vendendo a propriedade e a saudade daquele tempo de infância conduziu meu destino.

A convivência com a natureza e com as pessoas da comunidade me trouxe um conhecimento indispensável ao homem da terra. Aquele povo simples carrega um aprendizado não encontrado na escola propriamente dita.

Acredito na sabedoria dos profetas populares e apesar de ultimamente constatar divergências nas opiniões de alguns, surpreendo-me com a inteligência e o poder de observação desses homens, muitas vezes obrigados a decifrar os encantos da natureza e com isso aumentar naturalmente a possibilidade de sobrevivência num espaço cheio de dificuldades, onde a relação homem e ambiente precisa de maior entendimento.

Outro dia Zé Galdino - um velho que mora lá perto, nas bandas da Extrema -, me falou de previsão do tempo. Disse que era um ano propício para se plantar arroz, porque um ano par é sempre bom, e além do mais todas as experiências eram favoráveis, inclusive os caçadores tinham encontrado muita caça prenha – o trágico demonstrando um bom sinal. Naquele ano vivemos literalmente um dilúvio e nossa cidade ficou totalmente ilhada por alguns dias.

Com o conselho do amigo resolvemos fazer o teste e plantamos uma pequena roça de arroz, milho e feijão, onde conseguimos colher uma quantidade satisfatória. As enchentes aconteceram exatamente no período em que minha filha estava para nascer, tinhamos que levar minha esposa ao Juazeiro, era uma gravidez complicada e a ponte do Rio Carás que dava acesso aos dois municípios acabara de cair, então tivemos que enfrentar uma passagem arriscada pela estrada dos Carneiros aproveitando a diminuição das águas no final da tarde. Naquele momento, passando na estrada velha do sítio Carás lembrei-me dos relatos do Padre Antonio Vieira – o protetor do jegue -, que escreveu sobre meu bisavô materno José Gonçalves dos Carás, dizendo que na época em que o padre estudava no Crato e tinha que atravessar o rio cheio, o velho Gonçalves dava total apoio na travessia e depois em sua casa. Tornaram-se compadres e grandes amigos.

No mesmo dia Joana Maria nasceu e teve que ficar alguns dias numa incubadora. Fiquei fazendo o percurso Caririaçu Juazeiro todos os dias para realizar minhas visitas e no trecho da ponte, lembro-me bem, eu ficava rindo, ironizando a situação, tendo que passar numa balsa feita de uma espécie de tambor de 200 litros, com quatro de cada lado, algumas tabuas na parte superior e uma corda que era puxada por meia dúzia de homens contratados pela empresa de ônibus que fazia a linha.

Vejamos um trecho da notícia das chuvas divulgada pelo Jornal O Povo – Edição de 17 de Fevereiro de 2004:
”Duzentos e oito milímetros de chuvas entre domingo e ontem deixaram o município de Caririaçu isolado, e sem abastecimento d'água. As precipitações registradas pela Funceme, no Cariri, no período, também voltaram a causar estragos em cidades que já tinham sofrido danos com as chuvas de janeiro último. Em 11 localidades da região, as chuvas foram superiores a 100 milímetros
A região do Cariri, que concentrou as maiores chuvas registradas pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), entre a manhã do último domingo e a de ontem, voltou a sofrer prejuízos com as fortes precipitações. Em 11 postos de monitoramento dos índices pluviométricos mantidos pela Funceme na região do Cariri, foram registradas chuvas superiores a 100 milímetros no período. A maior delas, de 208 milímetros, deixou isolado Caririaçu, a 592 quilômetros de Fortaleza. A cidade está sem abastecimento d'água, uma vez que a área de captação do líquido, ficou inundada.
Conforme diz Zuli Morais, filha da prefeita Lúcia Vanda de Morais, todas as estradas estão interditadas, e há risco de arrombamento de três açudes de grande porte. Barreiras caíram na rodovia estadual que liga Caririaçu a Juazeiro do Norte, 563 quilômetros distante da Capital, outro município que também está em situação crítica devido a uma chuva de 166 milímetros nos últimos dois dias. Com o agravamento dos danos, Juazeiro registrou quedas de pontes e alagamentos de áreas como a do Horto, Favela Boca das Cobras, Alta Tensão e Lagoa Seca. Ontem foi necessária até a ajuda do helicóptero do Ciopaer (Centro Integrado de Operações Aéreas) para a retirada de moradores das regiões afetadas”.


Felizmente, no dia 07 de março fui informado de que no dia seguinte minhas mulheres poderiam voltar para casa. Foi uma festa, primeiramente tivemos que enfrentar de carro a estrada do Taquari. O tempo encharcado, muita lama. Nessa altura a maioria dos agricultores que viviam nas terras baixas dava tudo por perdido. A água tinha devassado os baixios. O caririense costuma plantar nas primeiras chuvas, não quer perder tempo, se for preciso planta tudo novamente, mas as chuvas não paravam. O sertanejo, apesar de tudo vivia sorridente, preferia sofrer com a água ao invés da seca. A situação dos que viviam na serra, como era o nosso caso, era diferente, pois a chuva mesmo em excesso não prejudicava tanto, ficávamos apenas pensando na situação dos que moravam nas comunidades baixas, principalmente os familiares do São Lourenço.

Ao chegarmos a Caririaçu passamos primeiro na casa de minha mãe na Rua Coronel Botelho. Meu outro filho Felipe tinha 14 anos e morava na cidade, onde estudava. Ficou ali ao lado da cama, admirando a irmã. A casa logo ficou cheia do pessoal da vizinhança: as meninas, as moças, as velhas, cada qual com sua opinião.

Ao cair da tarde seguimos para o sítio. Eu queria mostrar para ela a nossa casinha, nossa vida simples, queria que ela entendesse tudo aquilo que estava acontecendo entre nós. A casa estava diferente - comentou Lucinha. Tínhamos organizado tudo. Reformamos a casa com a ajuda de Colega - um trabalhador da Ribeira do São Lourenço filho de Chiquinho do finado Pedro Velho que morava com a gente. Consertamos as cercas perto da casa, limpamos o terreiro, empilhamos a lenha e foram feitas novas casas para os bichos. Galinha, bode, porco, pavão, ovelha, cachorro, todos acabaram ganhando com as boas vindas. Entramos e o quarto já estava ajeitado, o berço, uma prateleira branca com alguns objetos para recém-nascido, nossa cama ao lado e um pequeno guarda-roupas. No outro cômodo, que chamávamos de sala de janta ficava a televisão, uma mesa redonda com quatro cadeiras, geladeira, fogão a gás, uma cadeira de balanço e uma preguiçosa. O alpendre ficava aos fundos dando cobertura a um fogão de carvão e uma pia de lavar pratos. Visinho ao quarto ficava um banheiro. Ao entrar na porta da frente dois pequenos cômodos, um era a sala do Santo, onde ficava também além do computador, uma velha cadeira de balanço centenária presente de minha tia Bárbara de saudosa memória que falecera há poucos meses. No cômodo visinho ficavam alguns livros e revistas e um baú antigo. Aquele repartimento servia também de dormitório do Colega. Na parede alguns quadros, dois destes, um de meu pai e outro de Felipe, - pintados por mim. Fotografias do meu pai e de Luiz Gonzaga tinham muitas, inclusive um quadro do Rei do Baião em pedra de Santana, presente de minha amiga Lúcia Vanda.

A notícia andou depressa e conforme o costume sertanejo os amigos começaram a chegar. Primeiro chegou comadre Terezinha, depois veio Dona Maria e Seu Nezinho, Damiana, o pessoal do Sítio Sales, da Extrema, Dona Rosa e Seu Doca lá da Cangaia para completar a animação. O assunto começava em mulher “buchuda”, passava pela política, falavam em recém-nascidos, no dia da mulher, mais só terminava em água. O inverno só ali pertinho tinha carregado à parede da lagoa de São Paulo e o açude de Zé Adauto. Essas águas tinham caído todas dentro do açude do Modebrão, que ficava mais a baixo. E o ruim da história: ele estava quase indo embora. Se acontecesse essa tragédia, o que seria dos familiares do São Lourenço.

Depois o povo despediu-se e aos poucos um silêncio frio predominou no terreiro e dentro da casa o inverso. Na madrugada acordei para conferir, era difícil acreditar, minha filha estava ali pertinho, naquela paz. Na calçada observei o céu e agradeci. Trovões e relâmpagos cortavam o universo mostrando que do lado de fora não tinha sequer uma estrela.

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